A Melancolia Dos Policias Homicidas da Guerra Contra as Drogas das Filipinas

Oficial da Polícia Nacional das Filipinas (Fonte: Flickr)
A TalkingDrugs publicou uma série, dividida em três partes, sobre a realidade da Guerra Contra as Drogas nas Filipinas. Neste artigo oferecemos uma versão abreviada traduzida em português. O texto original em inglês está disponível nos seguintes links: Parte 1, Parte 2 e Parte 3.
Rodrigo Duterte diz querer erradicar o mal das Filipinas. A sua polícia executa milhares de pessoas por alegado envolvimento com narcóticos. A multidão celebra. Num espectro oposto, Nino Cerrado, um oficial da unidade anti-narcóticos de Manila, é consumido pela culpa.
Onde está Nino Cerrado?
É Sábado. Um telhado raso molhado, rodeado por arame farpado, e coberto por uma lona, de modo não facilitar a visibilidade aos vizinhos. No centro encontramos uma arena feita de paletes eretas colocadas numa carpete industrial. O sol está a pôr-se, e as fachadas antigas que formam o bairro brilham. Neste momento,um grupo de duas dúzias de homens de olhos brilhantes e com beatas de cigarros no canto das suas bocas, reúne-se neste local para a luta de cães.
Os treinadores debruçam-se à voltas dos seus cães. Quando um dos cães se coloca sem cima do seu oponente, os treinadores batem com as palmas das mãos no chão, gritando: “Anda, vamos, vamos, vamos, vamos”. Apesar de não ser permitido, a multidão captura o momento, tirando fotografias com os seus smartphones volumosos que tiraram dos seus calções de banho. De seguida, chamam pelo nome dos cães: “Muito bem, Hunter. Muito bem, Evil”. A determinada altura, um dos treinadores puxa o seu pit bull pelo pescoço, levando-o do ringue, e lava-o num canto.
A luta de pit bulls foi organizada por Nino Cerrado, ainda que, como policia, tal lhe seja proibido. Durante a tarde, Cerrado contacta toda a gente: um dos seus irmãos para que filme a luta, o seu criador, que transporta os cães, um a um, para esta zona. Cerrado tem três pit bulls, e no início desta noite os seus cães estão a atacar os cães dos seus vizinhos. Trata-se de uma sessão de treino. Não são feitas apostas. As verdadeiras lutas podem demorar até três horas, e caso um dos seus pit bulls perca, por vezes, Cerrado deixa-o morrer. A morte é preferível à desonra
No entanto, Cerrado não está presente nesse dia. Há trabalho que tem que fazer, noutro local. Na realidade, o seu nome verdadeiro não pode ser escrito aqui. Definitivamente, também não quer ser fotografado, nem tão pouco ter um fotógrafo consigo. Nino Cerrado é um homem musculado, com seus trinta e poucos anos. Tem o cabelo rapado, as suas costas tonificadas, e uma camisola justa que adere aos seus músculos. Á frente da sua virilha, observamos uma bolsa preta , na qual guarda um molhos de notas de mil pesos. Poucas pessoas sabem onde este se encontra neste momento. Estará no seu carro, a observar, enquanto um dos seus colegas aponta uma arma à cabeça de um traficante? Ou será, que está simplesmente sentado nesse carro, enquanto come um gelado com a sua filha? Nino Cerrado trata-se de um dos oficiais da unidade anti-narcóticos suspensos pela perpetração de milhares de mortes extrajudiciais em nome da Guerra contra as Drogas.
Polícia Nacional das Filipinas, treinamento de combate aos narcóticos (Fonte: Flickr)
De repente, surge Rodrigo Duterte
Manila. Estamos no Verão de 2017. Durante o dia a cidade é engolfada pelo smog. A Manila diferente àquela dos arranha-céus, a outra Manila usa chinelos de plástico, vive em favelas, e por vezes, come de tabuleiros de cadeias de fast-food. Aqui entra em cena Rodrigo Duterte.
Imediatamente após ter sido eleito presidente no Verão de 2016, Duterte lançou a Operação Double Barrel, chamada pelos filipinos de Oplan Tokhang. A partir daí, é obrigatório o registo de todos aqueles que consomem, ou vendem drogas. Duterte insistiu que era altura de desistirem, que deviam receber terapia em vez de consumirem ou venderem narcóticos. A lista de nomes daqueles que se apresentaram como consumidores foi facilitada à Policia Nacional Filipina, PNF. Os seus operacionais dirigiram-se às favelas, arrombaram portas e exigiram saber se aqueles com o seu nome na lista tinham mesmo parado de consumir narcóticos. De seguida, a chacina começava.
De acordo com o Governo filipino, milhões de Filipinos estão dependentes de Shabu, o nome coloquial do que é mais amplamente conhecido como anfetaminas. A PNF defende que os alegados traficantes abriram sempre a porta primeiro, quando a policia lhes batia à porta. De todas as vezes, os oficiais encontravam sempre armas e drogas nos pertences daqueles executados. Estaremos perante uma coincidência? Inicialmente, a PNF anunciou orgulhosamente o número de suspeitos executados, convidando jornalistas, tanto da imprensa como da televisão, para os locais do crime. Era imperativo que fosse claro para toda a gente o tratamento destituído de misericórdia reservado a criminosos pelo Governo. No entanto, tal cedo mudou.
Seguiu-se um clamor internacional. O Conselho para Os Direitos Humanos da ONU exigiu que o Governo filipino cessasse a Guerra Contra as Drogas de imediato. A UE afirmou que o comércio com as Filipinas estava em risco. O Governo de Duterte rejeitou todas as alegações, apelidando os números daqueles assassinados como “factos alternativos”. De qualquer forma, não precisariam de fundos oriundos da UE. E assim a carnificina continuou, ainda que de uma forma um pouco mais ligeira. A policia começou a disfarçar as suas ações. Ambulâncias, no lugar de carros funerários, começaram a recolher os cadáveres. Passaram a contar para outra estatística. Nos hospitais, o indivíduo já não era registado como “alvejado” mas sim “morto à chegada”. Assim, a causa de morte, o autor e a causa de dita execução não podem ser afirmadas com certeza. Terá sido a policia? Foi um homicída contratado por agentes policiais? Parasitas? Gangs que para saldarem dívidas antigas aproveitaram a oportunidade apresentada? Polícias corruptos que tinham eles próprios dividas por pagar? Ou será que falamos de um plano concebido pelo palácio presidencial?
Apenas um facto nos parece claro: a morte chegou às favelas. Tal como foi prometido por Rodrigo Duterte antes de ter sido eleito: “se eu for um candidato à presidência, digo-vos para não votarem em mim, porque vai ser sangrento”. Foi assim que deu a entender a sua violenta política de drogas, numa entrevista dada à televisão em Agosto de 2015.
O cheiro a sangue
Uma semana mais tarde, é de novo Sábado. As torres repletas de bancos e hotéis tocam nas nuvens cinzentas. As ruas secundárias estão abarrotar com número de pequenos bares de alterne, com mulheres estão encostadas às suas paredes durante o dia. Estamos no reino de Nino Cerrado. Toda a gente aqui sabe quem ele é. Toda gente aqui o teme. Caso ele passe pelos bares, ninguém se irá atrever a olhar-lhe nos olhos. Ninguém irá oferecer-lhe massagens. Nem tão pouco será-lhe oferecida Viagra, usualmente oferecida a senhores brancos gordos chamados de “senhor” ou “chefe”.
Cerca de um quilómetro depois, Cerrado entra numa rua, um emaranhado de cabanas feitas de caixas de bananas com telhados de metal e um número de cabos emaranhados. Também esta é a zona de Cerrado, que vive nas suas proximidades. À medida que vai anoitecendo, uma cabeça de porco é grelhada, sob a supervisão de um homem careca. A rua inteira está sentada nos bancos de plástico localizados atrás do grelhador. Ninguém aqui está sóbrio.
“Sente-se, quero entretê-lo, meu amigo”- diz-nos Nino Cerrado. Este continua, “Sim, nós, filipinos, adoramos lutas. Não colocamos apenas cães e galos a lutar”. Antes de se ter tornado policia, Cerrado terá sido um lutador de rua.
Cheira a amendoins assados e brandi. Cerrado diz-nos “Duterte é o melhor presidente de sempre”.
A determinada altura, Nino Cerrado faz-nos um convite: “Venha à nossa à nossa esquadra, se aguentar o cheiro a sangue, meu amigo”. Ele ri-se, despoletando o riso de toda a gente, enquanto bate com a sua mão gigante no meu pescoço.
Crianças com armas de brinquedo em Manila, Filipinas (Fonte: Flickr)
Ele parece estar a encolher
Na manhã seguinte, as ruas estão mais vazias do que normalmente estão. Cerrado passa o dia a beber na cabana do seu amigo com meia dúzia de irmãos e vizinhos do seu amigo Mario, a algumas ruas de distância. Ninguém fala inglês, talvez por ser uma língua apenas encontrada em livros escolares.
Anoitece. Cerrado encontra-se visivelmente embriagado. Não obstante, ele faz uma curta distância de carro até um restaurante próximo. No snack bar, com as janelas abertas, encontramos três homens com as suas respetivas esposas, sentados numa mesa de plástico. São colegas, policias, como Cerrado. Integram a unidade anti-narcóticos de uma zona vizinha.
O primeiro, um homem gordo, veste uma camisa preta, tem a sua bolsa de cintura, à volta do seu peito, e usa chinelos nos pés. Chamemos-lhe PO1, visto que se trata de um agente policial de primeira ordem. Ao seu lado, está sentado um idiota, com um pequeno penso na testa e uma camisola azul com um padrão dourado que adere aos seus músculos. É um policia de segunda ordem, PO2. Entre o PO1 e o PO2, está sentado um homem pequeno que olha para mim incessantemente com os seus olhos pequenos. Junto a estes homens, estão as suas esposas. Cerrado manda vir cervejas para toda a gente. Eles falam de coisas confusas, e rapidamente começam a falar mais lado, acelerando cada vez mais o seu discurso. Toda agente quer superar o outros com o seu próprio riso. As mulheres ouvem e riem-se.
De repente, o PO1, o homem gordo, diz em inglês, “Nós somos a PNF, meu amigo”. A Polícia Nacional!
O PO2 cedo decide intervir, “Nós batemos à porta, vimos nas nossas motas e...” O agente policial não acaba a sua frase, mas o seu dedo indicador e o seu dedo do meio formam uma pistola que aponta para o ar.
De seguida o PO2 aponta para o PO1, o homem gordo, “Ele não vem, está demasiado gordo para se sentar e alvejar atrás, na mota. O motor é demasiado lento com ele”.
Tal arranca gargalhadas barulhentas. Cerrado é quem se ri mais alto.
O PO1 continua: “Por vezes, levamo-los para a esquadra. Quando acabamos, empilhamo-los a uma altura correspondente a cinco carros em cima uns dos outros. Depois, queimamo-los”. De repente, a sua esposa manda-o calar, tocando-lhe no joelho. A empregada para de falar, assim como as pessoas sentadas na mesa do lado.
O PO2 bate no ombro do homem dos olhos pequenos, que até agora tem estado calado, cingindo-se a sorrir. “É o condutor”, o PO2 diz-nos, “ Um primo da minha mulher. É o nosso melhor homem”. De repente, ouvimos a única palavra proferida pelo homem dos olhos pequenos durante toda a noite: “Inteligência”.É um espião dos dois agentes policiais.
Cerrado despede-se, entra no seu carro e sai do local. Quer ir para casa, para a sua cama. Viajamos em silêncio pelas suas zonas. Passamos por famílias com roupas esfarrapadas, outras que dormem em pedaços de cartão à beira da estrada. Mulheres sem-abrigo estão sentadas nas ruas, enquanto amamentam os seus bebés. Um cão assustado procura comida no lixo, apenas para puxar uma corrente atrás de si.
De repente, Cerrado levanta as suas sobrancelhas e diz “Um dia, uma mãe veio à esquadra porque um homem tinha violado a sua filha”. Este continua, “Soubemos logo quem tinha sido. De imediato, fomos à casa do violador e apreendemo-lo. Na esquadra, um colega executou-o, com uma bala no pescoço, vinda de cima. Neste caso bala fragmenta primeiro o torso, para depois sair através da pélvis, um método bastante mortífero. Mesmo assim, a seguir balearam-no na cabeça. É sempre bom ter a certeza”.
De seguida faz-me uma pergunta, “O que faria o meu amigo, se soubesse que o indivíduo estava a subornar os guardas na prisão da cidade para voltar ao nosso bairro?”.
Dá-se um momento de pausa. Este homem duro parece estar e encolher-se no banco do seu carro, tocado, assustado. Finalmente, murmura, “Não me orgulho do que fazemos”.
Será a política uma farsa?
Fora do país, o ultraje gerado pela carnificina de Duterte é sentido por muitos. No entanto, ao nível interno, este é celebrado pela maioria dos filipinos. Duterte é visto como alguém que luta contra o crime, que se opõe à oligarquia - após os anos coloniais espanhóis e americanos, um pequeno número de famílias que dividiram o país entre elas, e pilharam-no. Podemos ver autocolantes de Duterte, assim como pulseiras, e coleira, bem como uma figura de Duterte feita de cartão a dar as boas-vinda a hóspedes, nas entradas dos hotéis. Para se proteger da poluição, vemos um pedestre a usar uma máscara,com a cara de Duterte, na cara.
Duterte passou uma lei, que tornou a universidade gratuita. Este afirma querer impor um Freedom of Information Act de modo a tornar as autoridades mais transparentes. Duterte apoia a introdução do casamento do mesmo sexo. É amado pela população. Uma sondagem levada a cabo em 2017, estima que oitenta por cento do público apoia o Presidente. Recentemente, os seus aliados foram bem sucedidos nas últimas eleições gerais intercalares do país.
Duterte foi o presidente da câmara de Davao durante mais de vinte anos, uma megacidade localizada na ilha de Mindanao, no sul das Filipinas. Com o auxílio dos seus esquadrões da morte, Duterte transformou dita metrópolis numa espécie de Singapura do sul. É estimado que o Esquadrão da Morte de Davao tenha executado mais de mil pessoas, suspeitas de cometer delitos. As autoridades alegam que, desde que Duterte chegou ao poder em 2016, cerca de um ponto três milhões de pessoas entregaram-se ao Estado por consumo de drogas ou delitos relacionados. No entanto quando o fazem, nada acontece. Não existem implementados programas de tratamento ou terapia.
Gina Hechanova, uma professora de psicologia na Universidade de Manila, afirma que o tratamento da maioria das pessoas que consomem narcóticos é fácil, não estando altamente dependentes do narcótico que consomem. No entanto, a ignorância das autoridades no que diz respeito à toxicodependência serve apenas para agravar os problemas de ditos indivíduos. Segundo Hechanova, “As autoridades são impacientes relativamente ao processo de reabilitação. Este problema pode ser apenas resolvido em conjunto – com [o toxicodependente], a sua família, o seu bairro, e a polícia”.
Hechanova não será ouvida. Especialmente pela massa filipina afetada pela pobreza que querem sentir como políticos, independentemente das consequências. Assim, estes filipinos trocam a sua liberdade por um sentimento de segurança. Mesmo que toda a gente esteja ciente da possibilidade de serem os próximos a quem a PNF bate à porta.
Fonte: Flickr
O homicídio nunca morre
No final da tarde, Cerrado senta-se no sofá do seu apartamento. Os seus pais vivem no piso de cima. O teto é alto, o chão é feito de madeira sólida. Há um plasma na sala, que com o computador e um sistema de som formam um altar ao sucesso socioeconómico nas filipinas. Cerrado pergunta-me se a policia na Alemanha também é corrupta. Também me questiona o que acontece se for encontrado Shabu na posse de determinado indivíduo.
Cerrado vai buscar uma pasta cheia de documentos. Segundo o agente policial, “ A última vez era eu o diretor. Era responsável pela organização de “rusgas de compra”. Imaginemos que nos chegava informação relativa a um traficante que está agora nas ruas. O que nós fazemos, é sair vestidos à paisana. Um dos nossos homens compra Shabu ao traficante, enquanto outro supervisiona a compra de dito narcótico. Eu fico no carro e dou instruções. E assim começa”.
Cerrado continua, “Marcamos as notas com tinta de UV. Os traficantes, claro, negam todas as acusações. Aí, é o momento em que passamos a luz preta pelos dedos dos detidos e...Bem”. Cerrado observa os ficheiros. Os seus olhos refletem medo, enquanto os olhos nas fotografias estão vazios. A vida acabou. Trinta e seis anos de prisão por alguns quilos de Shabu. Algumas moscas não chegam ao dinheiro. Cerrado ri-se suavemente. Sempre que um caso era encerrado, comprava uma cerveja.
“Há algumas semanas atrás, chamaram-me à noite”, conta-me Cerrado. “Os meus colegas apreenderam um traficante que tínhamos andado a vigiar há algum tempo. Fui ir à esquadra para registar o caso. Mas então, os meus superiores juntaram-se a mim, e disseram “Vou alveja-lo”. Então eu disse , “Foi por isso que me tive de levantar da cama?”À medida que vai pensando no assunto, Cerrado fica visivelmente feroz. “Honestamente, precisam de mim para quê?” Cerrado apoia Duterte como Presidente. Igualmente, também defende a necessidade de limpar o bairro. Mas não desta forma. Cerrado sente-se culpado.
Após este incidente, o stress começou a desgasta-lo. Começou a ter dificuldades em dormir. Começou a beber durante a semana, por vezes durante a manhã. Então, tomou uma decisão séria: já chega. Recusou-se a trabalhar nesta unidade anti-narcóticos. Pediu para ser transferido e inscreveu-se na formação para policias seniores. Cerrado afirma não ser o primeiro da sua unidade a ser transferido.
Neste momento, está de novo a estudar. Após concluir a sua formação, não irá retornar à unidade anti-narcóticos. Pelo menos assim o espera.
Cerrado coloca um número de questões. “O que acontece quando Duterte deixar a presidência? O que irá acontecer, amigo? Aí serão iniciadas investigações amplas. As organizações de direitos humanos e os jornalistas irão ajudar as viúvas e os órfãos a identificar os assassinos”. E quem é que quer ser um assassino? O homicídio nunca morre. Nem mesmo nas Filipinas.
Fonte: YouTube
Um Pingue-pongue Interminável
No Ocidente, Duterte é visto como um idiota ou um maluco. Por vezes, o seu vocabulário perde-se em entrevistas dadas em inglês. Outras vezes, cruza os braços e faz ameaças mirabolantes em frente a uma câmara. No entanto, estamos perante um estratega astuto. O jogo político que que ela joga é tão velho como é simples: ele espalha medo. Os filipinos dos chinelos de plástico assustaram-se. E agora comportam-se.
O seu segundo truque revelou-se bastante eficaz: dividir os grupos hostis e virá-los uns contra os outros. Nos bairros mais pobres, é constante a luta entre toda a gente. O Governo, que aparentemente não tem qualquer plano para o fim da pobreza, precisa apenas de observar enquanto aqueles menos privilegiados lutam entre si. A Policia Nacional está nos bastidores, controlando tudo, de forma subtil. Consequentemente, o Presidente pode até dar-se ao luxo de suspender a a guerra contra as drogas na Terra de Duterte, nome dado por alguns à sua terra natal.
Nino Cerrado é o último a chegar à casa dos pais da sua namorada, Rozzy, nesta tarde Quarta-feira. Porquê? Esteve a treinar com a sua antiga unidade para o fim-de-semana da Conferência de Asean, de modo a assegurar a segurança das manifestações. O Presidente norte-americano, Donald Trump, irá ser conduzido pela ruas. Enquanto a família está sentada à sua volta, como normalmente o fazem, Nino Cerrado não tarda em beber metade de uma garrafa de brandi de dois litros.
A determinado momento, Cerrado aparenta ter organizado os seus pensamento, ainda que esteja embriagado. Este bate na mesa e diz, “De qualquer forma, estão para breve, desenvolvimentos importantes para este país. O nosso Presidente acabou com a guerra contras as drogas, e cedo irei ser promovido a Agente Policial Sénior”.
Cerrado teve que se esconder. Neste momento está a treinar. Na altura sob a máscara do machismo. Por detrás uma cortina espessa de álcool. Apanhado num sistema de corrupção e de auto-justiça, sente-se impotente, e forçado à cobardia.
No início de 2018, o Governo anunciou que irá dar continuidade à Oplan Tokhang, a repressão de narcóticos. Ou seja, irão continuar a bater às portas. No entanto, desta vez, o Governo planeia cometer menos erros. Por exemplo, planeia matar menos inocentes. Os habitantes da Terra de Duterte têm um provérbio para notícias deste género: “vai e vem-vem e vai”. Um eterno pingue-pongue.
Algumas semanas mais tarde, recebo uma curta mensagem de Nino Cerrado. Este informa-me que passou no seus exames. É agora um Agente Policial Sénior.
*Benedict Wermter é um escritor freelancer e um repórter especializado em crime que cobre a Alemanha e a Ásia. Pode encontrar o seu site aqui. Também o pode contactar através do seguinte email, benedict.wermter {@} gmail.com