As Próximas Eleições Trarão Mudanças para a Política Brasileira de Drogas?

À esquerda, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva com Gilberto Gil, então ministro da Cultura. Na (extrema) direita, o presidente Jair Bolsonaro, que dissolveu o Ministério da Cultura no primeiro ano de seu governo. Fontes: Agencia Publica/Palácio do Planalto/Wikimedia Commons.
As Eleições Gerais de 2022 no Brasil acontecerão no dia 2 de outubro. Apesar da tradicional miríade de presidenciáveis, entre eles o ex-ministro Ciro Gomes, os eleitores decidirão entre o candidato esquerdista Luiz Inácio Lula da Silva (Partido dos Trabalhadores), que foi presidente de 2003 a 2010, e o de extrema-direita Jair Messias Bolsonaro (Partido Liberal), atual presidente desde 2019. Atualmente, Lula tem liderado as projeções nos cenários de primeiro e segundo turno das eleições. Vamos ver o que os candidatos podem trazer em termos de política de drogas.
Jair Bolsonaro
Desde 2019, quando Jair Bolsonaro assumiu o cargo de Presidente do Brasil, temos visto um aumento da violência policial, e uma regressão dos avanços em termos de políticas de drogas. Bolsonaro assinou uma nova lei de drogas no primeiro ano de seu governo, alterando a lei anterior de 2006, assinada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A nova legislação trouxe penas mais duras para as associações de tráfico de drogas – e trará resultados ainda mais duros após o projeto de lei sobre narcoterrorismo aprovado no Senado em 2021 – e restabeleceu o tratamento involuntário para pessoas que usam drogas. Em 2020, o Ministério da Justiça e Segurança Pública de Bolsonaro emitiu uma resolução que autorizou o internamento de crianças a partir de 12 anos em clínicas de reabilitação, decisão que foi criticada por ex-ministros da Saúde. Ele também instruiu a delegação brasileira a votar contra o reagendamento da cannabis na 63ª sessão da Comissão das Nações Unidas sobre Entorpecentes e fez lobby contra a regulamentação do cultivo de cannabis e cânhamo no Brasil.
Bolsonaro ainda não publicou o seu manifesto, mas recentemente reafirmou a sua postura proibicionista, afirmando que “não queremos legalizar as drogas ou o aborto”. Se eleito, é provável que continue incentivando e celebrando o assassinato extrajudicial de supostos traficantes de drogas: ele disse em seu primeiro ano no cargo que, sob seu governo, os criminosos “vão morrer nas ruas como baratas”. Até agora, ele tem cumprido a sua promessa, elogiando constantemente as forças policiais que têm morto um número sem precedente de pessoas desde que o regime dele começou há quatro anos.
Luiz Inácio Lula da Silva
Em 2006, Lula assinou uma lei de drogas que teoricamente visava descriminalizar o porte de drogas para uso pessoal. A lei distingue usuários de traficantes com base na posse de pequenas ou grandes quantidades de substâncias ilegais. No entanto, não define valores precisos, deixando a distinção entre valores “pequenos” e “grandes” a critério dos polícias que executam a lei. A aplicação da lei é, assim, influenciada pelo preconceito racial e social, contribuindo imensamente para o processo de encarceramento em massa desde que foi promulgada. Em 2005, 9% da população presa no Brasil estava cumprindo penas por delitos de drogas. Em 2021, esse total cresceu para 29,4%. Entre a população presa feminina, quase 56% estão encarceradas por delitos de drogas, assim como quase 29% da população masculina.
Se eleito, Lula terá a chance de rever a política de drogas do país e corrigir os erros que acabaram distorcendo a tentativa de descriminalização. Ele terá que apresentar um plano de ação adequado, porém, algo que deve ser muito diferente da declaração genérica no manifesto eleitoral dele– uma declaração que, sem dúvida, atende aos eleitores (imaginários?) conservadores. Em apenas uma frase, o manifesto dele afirma:
"O país precisa de uma nova política sobre drogas, intersetorial e focada na redução de riscos, na prevenção, tratamento e assistência ao usuário. O atual modelo bélico de combate ao tráfico será substituído por estratégias de enfrentamento e desarticulação das organizações criminosas, baseadas em conhecimento e informação, com o fortalecimento da investigação e da inteligência."
No que diz respeito às evidências, desmantelar e confrontar organizações criminosas com estratégias baseadas no conhecimento existente significa legalizar e regular as drogas. Reformar as questões com outra tentativa fracassada de descriminalização seria um passo na direção certa, é claro, mas seria apenas uma ação paliativa. Manter a produção e distribuição de certas substâncias ilegais é uma receita para a criação de mercados ilegais, e estes últimos 100 anos de proibição pelo mundo afora deveria ser suficiente para demonstrar o valor da legalização.
Concordo com Lula: o país precisa de uma nova política de drogas – e é precisa desesperadamente, eu acrescentaria. Mas não podemos chamar o combate à oferta ilícita – “conhecimento, informação, investigação e inteligência” mobilizados para desmantelar grupos criminosos –uma “nova” abordagem que poderia levar a “novas” políticas. E tratamento, apoio e redução de riscos deveriam ser direitos fundamentais, é claro. Mas não podemos esquecer daquelas pessoas que não precisam de tratamento e não têm uma relação problemática com as substâncias. Mudar de uma abordagem de justiça criminal para uma abordagem de saúde pública poderá ser uma melhoria, é claro, mas apenas se não pressupor uma patologização generalizada do uso de drogas. Se a patologização e a recuperação baseada na abstinência forem a abordagem, isso não será novidade: Bolsonaro já implementou esse sistema, tolerado pela ONU. que trata do uso de drogas como uma epidemia que precisa de ser controlada.