Como reduzir a recaída e os riscos associados com a MDMA

Afirmações medicas sobre o mito da depressaão pos-MDMA não estao totalmente alinhadas com a relidade daqueles que consumem a droga

No final de fevereiro, um artigo da Vice mencionou um estudo inicialmente publicado no final de dezembro de 2021 afirmando que o uso de MDMA não criava "recaída", alegando ter desmascarado o mito da "Blue Monday (Segunda Azul)" que se refere ao efeito diferido e deprimido no humor e na cognição após o consumo de MDMA. No entanto, como usuário recreativo de MDMA, eu e muitos outros sabemos que isso não é uma verdade absoluta; depois de me aprofundar na publicação original, é claro que esta foi uma má interpretação da pesquisa.

O estudo, crucialmente, abordava especificamente o uso de MDMA num ambiente clínico. Fora dessas configurações controladas, há uma série de variáveis que refletem mais corretamento o uso de MDMA de que vou falar.

Usarei as afirmações feitas pela Vice para explorar os muitos riscos presentes quando se usa MDMA de maneira recreativa "in the wild", e para dar algumas sugestões para reduzir os danos que pode causar. Juntos, talvez não possamos eliminar totalmente o impacto da “Blue Monday”, mas possamos pelo menos mitigar alguns dos seus efeitos e reduzir outras consequências causadas pelo uso de MDMA.

Embora a Vice tenha tentado mencionar algumas dessas sugestões, infelizmente muitas não eram práticas. A primeira questão mencionada é sobre a pureza da MDMA:

 

"Uma pílula de ecstasy ou um saco de MDMA em cristal pode conter entre 0mg e 350mg de MDMA, além de qualquer quantidade de adulterantes. Em contrapartida, quando damos MDMA num contexto clínico usamos MDMA de grau clínico, que é 99,98% pura."

A palavra "pureza" é frequentemente usada de forma aleatoria para se referir à potência da droga e/ou à ausência de outros adulterantes, diluentes ou impurezas. Existem alguns testes disponíveis online, mas estes podem frequentemente acusar resultados positivos a uma ampla gama de substâncias aleatórias, e apenas testar a presença – ou ausência – de um adulternate (sem dar qualquer indicação da potência da substância presente). Embora no passado a MDMA tenha sido normalmente extremamente adulterada, isso é menos comum hoje; há agora uma maior probabilidade de encontrar MDMA de alta pureza e não adulterada com o uso de testes reagentes que detectam a presença de MDMA e podem potencialmente descartar outros falsos positivos.

Também é comum as pessoas fingirem saber o quão puras e fortes são as suas substâncias. Alguém me disse que tinha cocaína 100% pura, o que era provavelmente uma informação ridícula passada do vendedor para o cliente. A menos que alguns testes tenham sido realizados, alguém provavelmente inventou um número aleatório para descrever a pureza dessa sub substância.

O teste de pureza está disponível no Reino Unido pelo The Loop. Embora nem todos tenham a possibilidade de analizar todas as suas substâncias, fui informado por um dos seus técnicos de espectrómetros que na Europa é raro que a MDMA tenha um grau de pureza inferior a 80%. Com um tal grau, pode-se consider a substância (suficientemente) segura para ser consumida, se os diluentes misturados a MDMA não forem psicoativos. No entanto, pode ser importante testar se o pó ou cristais que se tem são de fato MDMA ou não, o que pode ser feito em casa com testes reagentes.

 

"Quando as pessoas tomam ecstasy de maneira recreativa, elas tendem a se exercitar excessivamente – ou seja, a dançar! Já foi demonstrado que isso pode aumentar o risco de toxicidade e de hipertermia [temperatura corporal anormalmente elevada]...  Numa discoteca / boate quente as pessoas dançam a noite toda sem apanhar ar. A alta temperatura aumenta o risco de toxicidade."

Isso é verdade, e estudos adicionais sugerem que o risco aumenta exponencialmente em usuários recreativos de MDMA que já podem ter danos neurológicos anteriores causados por uso pesado ou frequente.

Lembre-se de fazer pausas no uso de MDMA periodicamente para esfriar o corpo e o cérebro. Se puder, vá para fora ou para algum lugar onde as temperaturas estejam mais frias. Isso pode significar evitar estar no meio de uma multidão num festival ou rave por longos períodos de tempo. Preste atenção aos caminhos que permitam entrar e sair da multidão antes de estar num estado alterado para tornar isso mais fácil para si mesmo.

 

Bebidas desportivas com eletrólitos mas sem cafeina são um bom substituto para água, e podem ajudar a reestabelecer algum equilíbrio nos níveis de sódio

 

"O desequilíbrio hídrico arrisca causar hiponatremia [quando os níveis de sódio no sangue ficam abaixo do normal], o que pode ser tóxico."

Tecnicamente, a hiponatremia é um desequilíbrio na quantidade de sódio no corpo, então, em vez de beber água numa tentativa desesperada de se manter hidratado, é melhor alternar com uma bebida desportiva (uma bebida com eletrólitos, não uma bebida energética que contenha cafeína ou outras substâncias que possam interagir com a droga) ou um lanche ou petisco salgado. Também é recomendado que beba apenas cerca de 250-500 ml por hora (1-2 xícaras), e não mais do que 500 ml (2 xícaras) por hora.

Também é muito importante saber que a hiponatremia é mais comum nas mulheres – falamos em termos binários, visto que pessoas transgêneras ou intersexuais foram incluídas num número impressionante de estudos sobre o assunto....zero. No entanto, uma vez que essa diferença é causada por diferentes níveis de estrogênio, tenho motivos para acreditar que qualquer pessoa que tenha um nível medio de estrógenio comparativo ao nível considerado “feminino” provavelmente poderá sofrer de hiponatremia associada ao ecstasy.

 

"[Também] não tome ecstasy à noite e não perca uma noite de sono – tome só durante o dia. Eu entendo que isso é bastante irrealista.

A última frase reconheceu um certo pragmatismo em relação ao uso de MDMA. Um conselho mais prático é: use uma droga que cause sono. É verdade que normalmente quando se fala de redução de danos não se recomenda o uso adicional de drogas, mas um princípio importante da redução de danos é "ajudar as pessoas na situação em que estão", então não se pode simplesmente dar conselhos do tipo "tome MDMA apenas durante o dia". Pessoalmente, eu tento evitar consumir MDMA durante o dia porque a menos que seja no meio do inverno, está muito quente em todos os lugares. Se os paramédicos muitas vezes utilizam sedativos para aliviar sintomas que podem estar associados à privação do sono ou dão sedativos a um paciente para a sua segurança, entao eu pessoalmente não acho que seja um problema usar um auxílio ao sono. Os paramédicos normalmente usam benzodiazepínicos; eu pessoalmente uso GHB, pois funciona em 20 minutos e causa mínimos efeitos colaterais ou nenhum negativo quando usado como devido. Se funciona para gerir a narcolepsia, funcionará para a insónia. O GHB estende as fases 3 + 4 do sono REM, que são sem dúvida as mais importantes para a restauração mental e física. Também só duram cerca de 3 horas, por isso pode ser útil quando não se tem muitas horas disponíveis para um sono de qualidade. Mas é importante ter muito cuidado com a dosagem do GHB. 

Por fim, outra variável que tem sido estudada mas que ainda não foi mencionada no contexto da redução de riscos, é a reação do metabolismo a drogas. O metabolismo é impactado por fatores como a idade, o sexo, a genética e outros químicos que podem ser ingeridos — incluindo alimentos naturais. Nos EUA, alguns usuários de MDMA têm um conjunto de rituais para potencializar os efeitos de drogas como o limão tek, uma técnica que usa sumo de limão (ou outros sumos ácidos ou cítricos) para ajudar a converter a psilocibina num composto mais bioativo oralmente (a psilocina); no entanto, o metabolismo que digere as drogas é um conceito completamente diferente. Esse está associado a enzimas que quebram específicos compostos em diferentes partes do nosso corpo. Essas enzimas podem contribuir para metabolizar um composto, ou para transformar um metabólito inativo num metabólito ativo.

Acreditava-se que o sumo de toranja inibiria as enzimas que quebram a MDMA e a tornam inativa, uma vez que isso é verdade no caso de muitos outros medicamentos que são prescritos às pessoas regularmente, como por exemplo os benzodiazepínicos e opioides (e a ketamina). Isso significa que a MDMA permaneceria ativa no sistema por mais tempo. Resumindo, isso não é inteiramente verdade no caso da MDMA, pois essa é principalmente quebrada por enzimas diferentes das que são inibidas pelo sumo de toranja.  No entanto, o uso de MDMA inibita a enzima que tranforma MDMA num metabolito ativo até 10 dias apos o consumo.

O uso repetido de MDMA num período de 2 semanas (especialmente em altas doses) pode contribuir para o aumento dos efeitos farmacológicos da MDMA, incluindo efeitos negativos que podem levar à morte ou à  neurotoxicidade a longo prazo, devido às enzimas primárias inibidas. Outras drogas e substâncias também podem causar interações entre várias enzimas que afetam os efeitos de medicamentos. Por vezes, é possivel encontrar informaçãosobre as interações entre enzimas na internet (num site como a Wikipédia), mas se os medicamentos ou produtos tiverem sido aprovados para uso médico ou possam ser comprados em farmácias, pode usar este site para verificar se há interações antes de tomar alguma coisa.

Eu pessoalmente ainda não tive nenhuma notável recaída por causa da MDMA. Desde muito cedo, aprendi a usar suplementos para compensar alguns dos efeitos colaterais negativos do uso de drogas e dei prioridade a dormir sempre que possível (no entanto, nem sempre foi possível quando usei várias drogas numa noite ou tive dias/noites consecutivos de festa). Dormir e tomar suplementos adequados durante toda a noite são fundamentais para garantir que o dia seguinte seja o mais tranquilo possível. Há um número infinito de maneiras de diminuir os efeitos colaterais causados pelo uso de MDMA para aqueles que não estão predispostos a enfrentar esses problemas, para que possam então se concentrar em aproveitar a sua experiência ao máximo.

 

*Phoenix AKA Mohawk Greene (they/them) é um educador e ativista negro, trans e anti-racista especializado na redução de danos que utiliza muitas plataformas multimídia e online (como @TheRebelEducationist) para defender as pessoas que usam drogas e apoiar uma reforma sensata da política de drogas. Mohawk Greene oferece educação e perspectivas radicais sobre drogas, política de drogas e temas relacionados através de uma abordagem restauradora e cómica. É também um tecnólogo e escritor académico. Mohawk é o gerente de programas técnicos da Next Distro, membro do conselho da Youth RISE, ex-coordenador regional de alcance comunitário do DanceSafe e presidente da New York DanceSafe, Inc. Colaborou com agências globais de redução de danos, como a ANKORS, Safe 'n' Sound, Unity e Harmreduction South Africa.