Novos controles sobre medicações de alívio de dor na Guatemala causarão crise de saúde pública

Enquanto muitos países reduziram as restrições sobre o acesso a importantes remédios de alívio de dor nos últimos anos, a Guatemala foi na contramão dessa tendência com uma nova iniciativa, a qual levará ao sofrimento desnecessário de pacientes no país.
Recentemente, o governo da Guatemala emitiu uma instrução oficial que aumentará as restrições em torno do acesso à remédios controlados. Isso incluirá a morfina, um dos mais importantes anestésicos no tratamento de dores de moderadas a severas.
Remédios controlados são aqueles previstos nos tratados internacionais de drogas. Doze desses remédios (sendo a morfina um deles) são listados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como remédios essenciais.
Sob a nova iniciativa guatemalteca (vide abaixo), uma série de novos obstáculos burocráticos foram criados para pessoas tentando ter acesso a esses remédios. Desde 31 de julho, pessoas tentando obter receitas para remédios controlados em nome de um paciente deverão apresentar uma carta de solicitação assinada e carimbada, contendo uma cópia de suas identidades, junto do número do documento. Sempre que mudar a pessoa responsável pela requisição da receita, mesmo que o paciente em questão continue o mesmo, a carta precisará ser apresentada.
Here's official instruction that will further complicate life for many cancer patients in #Guatemala #hpm #hpmglobal pic.twitter.com/pHPZHiDIUQ
— Diederik Lohman (@diederik_lohman) August 8, 2015
Essa é uma medida particularmente regressiva, não apenas devido ao stress físico e emocional que ela causará aos pacientes que estão sofrendo, mas também à luz do fato de que, apenas três anos atrás, o país emitiu sua primeira prescrição para morfina de via oral, num aparente passo para frente.
Guatemala não está sozinha no que diz respeito a estritos enquadramentos regulatórios para remédios controlados. Atualmente, estima-se que há 5,5 bilhões de pessoas, 75 por cento da população global, com baixo ou inexistente acesso a remédios controlados, em sua maioria analgésicos opiáceos. Limitando-os a apenas a morfina, 92% do suprimento mundial é consumido por apenas 17% da população global, concentrado primariamente no norte global.
A OMS estima que dezenas de milhões de pessoas sofrem a cada ano, como resultado da falta de acesso a remédios controlados, sendo que o principal grupo impactado consiste em pacientes de câncer, pacientes terminais de AIDS, mulheres em trabalho de parto sofrendo com dores não aliviadas, e aqueles que sofreram ferimentos.
As razões para o acesso limitado são múltiplas, abrangendo sistemas de saúde fracos, treinamento inadequado de professionais da saúde e regulamentações excessivamente onerosas. Adicionalmente, o sistema internacional de controle de drogas ajudou a criar um clima em que os governos nacionais favorecem uma abordagem de controle de narcóticos baseada no sistema de justiça penal, à custa do provimento de disponibilidade dos mesmos para fins médicos e científicos, quando há clara necessidade.
O que torna a recente mudança da Guatemala tão surpreendente é que ela vai contra a tendência das evoluções testemunhadas nos últimos anos. Vários países, entre eles Ucrânia e Índia, reduziram as restrições de acesso a medicamentos de alívio de dor, tanto pela alteração de leis já existentes, como também pela promulgação de novos decretos. Até a Rússia, onde foi relatado que 11 pacientes de câncer teriam cometido suicídio em fevereiro porque não conseguiam ter acesso a remédios de alívio de dor, recentemente simplificou o processo de prescrição de opiáceos, permitindo que os hospitais a façam.
Sob o direito internacional ao melhor nível alcançável de saúde, os estados têm a obrigação de garantir acesso aos remédios controlados. Com as recentes restrições de acesso, o governo guatemalteca está violando esse direito e está prestes a instigar uma crise de saúde pública que atingirá alguns de seus cidadãos mais vulneráveis.