Os palestinos se automedicam com opioides ilegais em meio ao cerco israelense e a repressão ao Hamas

Alguns palestinos em Gaza com TEPT (Transtorno de Estresse Pós-Traumático) estão usando tramadol ilegal para automedicação (fonte: Pixabay)
Pela primeira vez, dois homens foram condenados à morte por tráfico de drogas em Gaza. Esta medida surgiu em meio a um aumento aparente do uso de opioide ilegal no território, onde o acesso a medicamentos permitidos para o alívio da dor e cuidados de saúde são limitados em função do cerco israelense.
Em 19 de março, dois homens foram condenados por contrabando de cannabis e de 3.985 comprimidos do medicamento opioide tramadol, do Egito para o território palestino de Gaza. Um foi condenado à forca, o outro à execução por fuzilamento, de acordo com o Ministério do Interior.
Aproximadamente 400.000 de comprimidos de tramadol foram apreendidos em Gaza desde o início de 2017.
Inúmeras pessoas foram executadas em Gaza desde que o Hamas, o atual partido no poder, tomou o poder em 2007. No entanto, este é o primeiro caso em que os indivíduos foram condenados à morte por delitos de drogas; anteriormente, a pena havia sido reservada para os condenados por assassinato ou espionagem em nome Israel.
Mesmo que delitos de drogas sejam significativamente diferentes de espionagem, o Hamas afirma que os dois estão intimamente ligados. Em uma conferência de imprensa em 19 de março, o porta-voz do Ministério do Interior, Iyad Bezm, alegou o envolvimento de Israel com o tráfico de drogas na Palestina.
"O objetivo [de Israel] é a destruição da sociedade palestina", disse Bezn durante uma conferência de imprensa, após a condenação dos dois homens.
"[O que Israel] não conseguiu através da guerra e do cerco, não será alcançado através da disseminação de drogas. […] O crime de tráfico de drogas não é inferior ao de espionagem para a ocupação [Israel]; seu objetivo é o mesmo: destruir a sociedade palestina."
Enquanto não há evidências de que as autoridades israelenses sejam cúmplices do tráfico de drogas na Palestina, o aumento do consumo de tramadol em Gaza parece estar intimamente ligado aos danos causados pelas normas de Israel sobre o território.
Tramadol é um medicamento opioide que pode ser usado para tratar a dor e transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). Conseqüentemente, não é de se surpreender que a substância tenha ganhado popularidade em um lugar assolado pelo conflito, onde o acesso a medicamentos prescritos é limitado pela ocupação israelense há mais de uma década.
Milhares de civis palestinos foram mortos ou feridos em Gaza durante a década passada, principalmente por causa de três operações militares devastadoras no território densamente povoado, lançadas pela Força de Defesa de Israel (IDF - Israeli Defence Forces) em 2008, em 2012, e em 2014.
Em uma entrevista para o site Al-Monitor, um farmacêutico palestino de Gaza afirmou que cerca de meio milhão de pílulas de tramadol eram vendidas todos os dias no território durante o período de pico da droga - entre 2012 e 2014.
Ele alegou que a droga tornou-se "artigo básico em cada casa" devido ao seu baixo preço e sua eficácia para entorpecer o "sentimento de angústia" em Gaza.
Também afirmou que as pessoas "viciadas" em tramadol ilegal "abrangem jovens, estudantes, universitários e pessoas com famílias, incluindo homens e mulheres", que, especificamente durante a guerra "sentiam angústia existencial devido às várias ofensivas militares da IDF e a pressão econômica impraticável".
Na verdade, um estudo de 2014 da publicação Arab Journal of Psychology mostra o dado espantoso de que 92% dos adolescentes (com idades entre 13-18) em Gaza apresentavam sintomas de TEPT. Para piorar a situação, a taxa de desemprego no território é de 42% e a taxa de desemprego entre os jovens é de 58%; entre as piores taxas no mundo, de acordo com o Banco Mundial.
O incentivo para os palestinos em Gaza se automedicarem com tramadol adquiridos de forma ilegal é agravado pela falta de acesso a cuidados de saúde básicos.
Mahmoud Daher, chefe do escritório de Organização Mundial de Saúde em Gaza, informou ao Irish Times que falta um terço de medicamentos essenciais e de suprimentos básicos nos hospitais em Gaza. Segundo o relato de Daher, a culpa seria do bloqueio israelense aos equipamentos médicos e a "falta de recursos financeiros" do governo de Gaza.
B'tselem, um centro israelense de direitos humanos, também atribui responsabilidade significativa às autoridades israelenses pela dificuldade de acesso de palestinos a cuidados de saúde em Gaza.
"As falhas do sistema são devidas, em parte, pela negligência de quase quatro décadas de ocupação direta de Israel na faixa de Gaza", afirmou em 2016, "e ao cerco israelense... [que] impõe restrições aos médicos que viajam para fora da faixa de Gaza para buscar especialização e formação médica".
Ainda não sabemos se a nova abordagem linha-dura do Hamas referente àqueles que vendem drogas terá qualquer efeito tangível sobre o volume importado. De qualquer maneira, enquanto inúmeras pessoas na faixa de Gaza continuam a sofrer com dor física e TEPT, sem acesso suficiente a cuidados de saúde, é inevitável que o mercado negro de tramadol continue existindo.