Uma Mudança na Posição da Malásia Perante os Narcóticos : Um Afastamento das Políticas Punitivas Características do Sudeste Asiático

O Ministro da Saúde malaio, Dzulkefly Ahmad. Fonte: Khairil Yusof
Contrariando a abordagem pautada pela tolerância zero, no que diz respeito à problemática dos Narcóticos, adoptada pela Malásia, o Ministro da Saúde do país, Dzulkefly Ahmad anunciou legislação com vista à descriminalização, bem como à remoção das punições aplicadas pela posse de pequenas quantidades de narcóticos para consumo pessoal.
De acordo com a Al Jazeera, Dzulkefly descreveu a alteração das leis como o "próximo passo crucial em direcção a uma política de drogas nacional que dê precedência à ciência e à saúde pública em detrimento da punição e encarceramento".
Ainda que a legalização não esteja prevista para um futuro próximo, a emenda supracitada trata-se de um desvio significativo das leis de drogas draconianas vigentes no país desde a independência da Malásia em 1957. Dita legislação inclui uma sentença obrigatória em casos de tráfico. Em 2011, uma auditoria ao sistema criminal da Malásia revelou que quase quarenta por cento da população prisional do país encontra-se encarcerada por delitos associados a narcóticos.
Situada na orla do Triângulo Dourado da produção de heroína e metanfetaminas do Sudoeste Asiático - composto pela Tailândia, Myanmar e Laos- a Malásia encontra-se nas imediações do tráfico de drogas ilícitas. A Malásia trata-se de um país com valores tradicionais conservadores em si embutidos. Várias das suas leis nacionais têm a sua origem na religião oficial do país, o Islão. Tal, associado à sua vulnerabilidade geográfica e ao alto volume de narcóticos presentes nas suas fronteiras resultaram numa longa lista de leis de narcóticos restritivas há muito impostas pela Malásia.
A adopção de uma abordagem de tolerância zero no que diz respeito a narcóticos não é incomum na zona. Em certas categorias de delitos de drogas é aplicada a pena de morte, nos países vizinhos da Indonésia, Singapura, Vietname, Brunei, Myanmar e Laos. Cada Estado-membro do corpo regional, ASEAN, ter-se-á comprometido em transformar a região num espaço "livre de drogas" até 2020.
Apesar das leis altamente punitivas vingentes na região, práticas com vista à redução de danos não são inteiramente desconhecidas no Sudeste Asiático. Em 2005,foi introduzida na Malásia um programa para combater o HIV. Em 2017,a sentença máxima aplicada em casos de posse de narcóticos foi reduzida de quinze anos para dez anos. Atendendo a este plano de fundo, a descriminalização completa de narcóticos representa um desvio surpreendente dos padrões regionais.
No entanto, um relaxamento abrangente das leis de narcóticos no Sudeste Asiático ainda parece uma realidade longínqua. Como foi reportado pela TalkingDrugs, as Filipinas têm vindo a travar uma sangrenta Guerra contra as Drogas desde que Rodrigo Duterte assumiu a presidência em 2016. As múltiplas violações de direitos humanos e execuções extra-judiciais tidas como dissuasores do consumo de narcóticos, que se julgam chegar aos milhares, têm recebido condenação por parte da comunidade internacional. Uma recente tragédia resultante desta guerra é a morte de Myka Ulpina, uma criança de três anos, que se deu na sequência de uma rusga à casa de família do menino, tendo o mesmo sido atingido por uma bala perdida. Igualmente, Singapura, um dos países com as leis de narcóticos mais rígidas a nível mundial, não demonstra quaisquer sinais de mudança. Ilustrativas de tal são as recentes leis que tornam ilegal a partilha de informação sobre como consumir, produzir ou vender drogas.
Internacionalmente, o anúncio parece ecoar o desvio para uma abordagem gradualmente mais flexível, no que diz respeito ao consumo de narcóticos. Países como o Canadá optaram pela legalização da cannabis em 2018, o que levou ao estabelecimento de uma indústria lucrativa em crescimento. Os argumentos que apoiam a redução de danos continuam assim a aumentar. A descriminalização de todas as drogas por Portugal em 2001 levou a uma melhoria da saúde pública, tendo, do mesmo modo, tido frutos ao nível social. Segundo um relatório conjunto levado a cabo pela WHO em colaboração com o Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC) , os números relativos às infecções de HIV caíram para metade no decorrer de uma década, caindo de 2167 em 2017 e para 1030 em 2016. Ainda que na altura a medida tomada por Portugal tenha sido apelidada de radical, na actualidade o país é elogiado, sendo tido como um caso de sucesso e apontado como modelo a ser tido em consideração.
A necessidade de descriminalização é evidente. Tendo Governo malaio revogado a sua decisão de cessar a pena capital em Março deste ano, a comunidade internacional espera agora em antecipação, esperando pelas acções governativas a ser tomadas - e quando a mesmas vão ser tomadas - para tornar a descriminalização de narcóticos uma realidade na Malásia.