1. INÍCIO
  2. Artigos
  3. Peritos portugueses e sociedade civil unem-se contra a criminalização

Peritos portugueses e sociedade civil unem-se contra a criminalização

An carta aberta publicado no início de fevereiro pela saúde pública e membros da sociedade civil portuguesa condenam as palavras do presidente da Câmara do Porto contra o consumo de drogas e as pessoas que as consomem, incluindo o seu desejo de criminalizar o consumo público de drogas na cidade do Norte.

A carta aberta, organizada por médicos, activistas da redução de danos, consumidores de drogas e outros membros da sociedade civil, critica várias declarações públicas que Rui Moreira fez contra o sistema de descriminalização português. Moreira falou pela primeira vez dos problemas com a abordagem portuguesa após intervenção policial a 6 de Janeiro que desocuparam um acampamento de sem-abrigo na Pasteleira, bairro do Porto há muito reconhecido como um local para uso de drogas de alto risco. Este acampamento abrigava 26 pessoas e também incluía um espaço não autorizado para consumo de drogas entre as tendas.

“O que é preocupante é que estamos numa região [onde] o Estado tem falhado… Essa falha é a falta de acompanhamento [da necessidade de] apoio a esta situação pública, que tem uma componente social, mas é sobretudo de tráfico, que significa que as pessoas que vivem aqui [na Pasteleira] não têm a sua segurança garantida”, estabelecido.

Moreira adiantou ainda que o consumo de drogas ao ar livre, em particular as drogas injectáveis, tem comprometido a segurança e tranquilidade dos habitantes locais, sendo que as seringas têm de ser frequentemente retiradas dos espaços públicos, incluindo escolas. Desde então, ele pediu mais penalidades para o tráfico de drogas, bem como a criminalização do uso de drogas em espaços públicos.

A zona da Pasteleira alberga uma das salas de consumo de droga do Porto. Moreira questionou ainda a sua eficácia, afirmando: “Montámos uma sala, é uma resposta financiada pelo Estado. A questão fundamental é se a sua presença simplesmente centraliza este fenómeno [dentro deste bairro], e se não existem medidas semelhantes tomadas nem pelo estado, nem pelos municípios vizinhos, será esta ainda uma abordagem que vale a pena prosseguir?

Esses comentários desencadearam várias críticas dos parlamentares portugueses, tanto em nível estadual quanto nacional. José Soeiro, deputado do Bloco de Esquerda, condenado As palavras de Moreira, dizendo que suas críticas foram contra décadas de evidências, e o fato de que o tráfico ainda é criminalizado.

Reforçando suas declarações, Moreira mais tarde respondeu que “quando se criminaliza, não se pretende punir ninguém. Não há ninguém mais punido do que um viciado em drogas. A criminalização é para proteger uns dos outros. Tem uma população lá [na Pasteleira] que precisa ser protegida. Lá, existe a regra dos mais fortes, que são os traficantes”.

 

“O sistema de drogas português é um best-seller”

A carta aberta foi publicada logo após esses comentários, condenando suas palavras e promovendo uma conversa nacional em torno de “respostas mais robustas a esta questão complexa”.

Ele destacou que a gentrificação generalizada em toda a cidade ajudou a criar esses acampamentos de sem-teto, que continuam a crescer devido à resposta inadequada da cidade à crescente pobreza e precariedade habitacional. O fato de haver um espaço não autorizado para consumo de drogas foi declarado como evidência da falha do estado em fornecer um espaço para uso de drogas aberto durante a noite; este espaço não sancionado servia ainda para prestar cuidados entre os consumidores de drogas, nomeadamente para prevenir overdoses.

“O sistema de política de drogas português é visto como um [global] best-seller pela descriminalização do porte de drogas e pelas respostas de cuidados integrados que cria às pessoas que consomem drogas. A proposta de criminalizar o consumo público de drogas, e penalizar ainda mais o consumo… de evidências da ONU dos benefícios que a descriminalização traz para as questões relacionadas às drogas.

A carta conclui que são necessárias “políticas humanistas mais robustas”, integrando as múltiplas questões de moradia e bem-estar enfrentadas por pessoas que usam drogas de forma problemática.

Moreira ainda não respondeu diretamente à carta; porém, quando questionado sobre isso no rádio, descartou como uma “tática de propaganda” do Bloco de Esquerda: “essa é a posição deles, que é normal”. Este comentário foi bizarro, já que nenhum parlamentar do Bloco de Esquerda assinou a carta, e pode ser uma reação às críticas do partido no parlamento.

A carta continua aberta a mais assinaturas de outros membros do público e da sociedade civil, e será reenviada aos parlamentares e ao gabinete de Rui Moreira. “Assim que encerrarmos a segunda onda de assinaturas, a carta será reenviada… para ampliar o debate sobre os direitos das pessoas que usam drogas, nomeadamente à moradia e espaços mais seguros para o uso de drogas, iluminando as conquistas das políticas de redução de danos”, Joana Canêdo , um dos organizadores da carta aberta, disse ao TalkingDrugs.

Canêdo explicou que a carta teve de ser organizada por indivíduos, uma vez que a maioria das organizações de redução de danos e políticas de drogas em Portugal não responderam aos comentários de Moreira.

“Esperamos que a carta seja clara e informativa e que sirva para orientar o diálogo público para a possibilidade de reformas estruturais no âmbito de um Estado social, sem recuos no sentido da criminalização, e para relembrar as conquistas que fizeram de Portugal um exemplo internacional na no campo da política de drogas”, afirmaram ainda.

“Nosso objetivo não é criar reação política, mas chamar a atenção para as violações dos direitos humanos inerentes ao uso de ações de aplicação da lei para “limpar” os “territórios psicotrópicos” onde os vizinhos entendem a presença de PUD como “perigosa” e “outros indesejados”. ”, em vez de recrutar autoridades públicas para conceberem conjuntamente habitações abrangentes para pessoas que usam drogas e enquadrar a redução de danos e a inclusão social como parte do desenvolvimento da cidade.

Para o efeito, continuaremos a informar as autoridades públicas sobre soluções inovadoras centradas na redução de danos, especificamente sobre as práticas e políticas que subvertem o status quo actual, como a discussão de um abastecimento mais seguro, e que visam superar a defesa mal informada da criminalização de uso de drogas."

 

Progresso para a frente – não para trás – é necessário para lidar com essas questões

Os comentários de Moreira revelam uma tensão crescente entre políticos locais, habitantes e sinais cada vez mais visíveis de falta de moradia e pobreza em Portugal. Mas reverter décadas de sucessos de políticas de drogas baseadas em direitos para responder a questões mais amplas na sociedade fará pouco para resolvê-los e, de forma realista, policiar ainda mais as comunidades já marginalizadas. É, portanto, preocupante que ele descarte a oposição tão válida de especialistas e da sociedade civil como propaganda.

Os problemas de Moreira parecem ser principalmente com o consumo público de drogas e o tráfico de drogas. O uso público de drogas é uma direito consagrado no sistema de descriminalização português, aquele que garante que não só as pessoas com acesso privilegiado à propriedade privada podem consumir drogas com segurança. A criação de uma sala de consumo não autorizado de drogas no acampamento de moradores de rua evidencia a necessidade de tal espaço para manter sua segurança, prevenir novos danos e criar um local seguro para o atendimento. Questões relacionadas ao descarte de equipamentos para uso de drogas devem ser abordadas com intervenções baseadas na saúde (como lixeiras seguras, educação e apoio para limpeza) em vez de mais criminalização.

É necessária uma conversa mais ampla para abordar a questão do tráfico de drogas, que continua ilegal. Rejeitar a descriminalização não resolverá nenhuma violência em torno do comércio de drogas, nem reduzirá quaisquer problemas sociais agravados pela existência do mercado.

O que é importante demonstrar a Moreira é que sim, a descriminalização não resolve o narcotráfico; mas mais criminalização também falharia em reduzi-la ou qualquer uma de suas violências relacionadas. Você apenas tem que olhar através Europa e qualquer outro continente para obter evidências do fracasso da proibição das drogas em reduzir os danos e a violência relacionados às drogas.

A regulamentação legal poderia fornecer um caminho para remover os incentivos financeiros para o comércio de drogas, bem como mudar os locais onde as vendas de drogas estão acontecendo. Os argumentos para o controle de drogas precisam ser esclarecidos para Moreira e outros com preocupações semelhantes. Os fundos para apoiar tanto os que acampam como os que vivem na Pasteleira podem ser desbloqueados através da venda de drogas tributadas; também reforçaria a ideia de que Portugal é verdadeiramente um “best-seller” na política de drogas, mantendo a nação na vanguarda das políticas de drogas progressistas na Europa.


A carta está aberta para assinaturas até 15 de Março - pode ser assinado SUA PARTICIPAÇÃO FAZ A DIFERENÇA.

Postagem anterior
Tornar-se uma mulher usuária de crack: quebrando silêncios no Brasil
Próximo Post
Ricardo Soberón: Como a economia da cocaína no Peru põe em perigo os indígenas amazônicos

Conteúdo relacionado