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2024 pode ser o ano da descriminalização da cannabis no Brasil

Em 2024, após 12 anos de processos no Supremo Tribunal Federal, o processo que pode levar à descriminalização da cannabis no país pode finalmente chegar a uma conclusão este ano. Apenas seis votos foram emitidos entre os 11 juízes supremos: atualmente há cinco votos a favor, com apenas um contra a descriminalização da central. E embora a votação final tenha sido adiada no ano passado, apenas mais um voto é necessário para formar uma maioria que impulsione a descriminalização.

A provável implementação desta decisão será muito necessária para representar o progresso da reforma da política de drogas no Brasil. No entanto, a proibição e as suas ideias encontrarão uma forma de persistir, e a batalha para criar mudanças estruturais na guerra às drogas brasileira irá perdurar.

 

Cannabis em tribunal

Iniciado em 2011 com base em um apelo da Defensoria Pública a favor de um arguido condenado por ter sido apanhado com 3 gramas de cannabis na prisão, o julgamento em curso é histórico porque a decisão sobre o caso concreto terá impacto nacional, criando um precedente para todos os casos semelhantes que contestem a criminalização da planta para uso pessoal.

O caso em debate chegou ao Supremo após recurso da Defensoria Pública contra decisão de primeira instância. O argumento utilizado foi que a criminalização do consumo de drogas viola os direitos fundamentais à liberdade, à privacidade e à automutilação, este último entendido como prerrogativa do indivíduo para tomar decisões prejudiciais exclusivamente a si mesmo.

Existem muitas razões pelas quais o caso progrediu tão lentamente. Houve numerosos pedidos de ministros do tribunal para que mais tempo para analisar O caso; a nomeação de membros conservadores para a Suprema Corte pelo então presidente Jair Bolsonaro significou que estrategicamente a votação se beneficiou de uma pausa.

Contudo, com a derrota eleitoral do governo de extrema-direita, mobilização da sociedade civil e o consequente alívio da pressão política sobre o tribunal, o julgamento progrediu em 2023 e chegará à sua conclusão final este ano.

Apesar da votação se centrar na descriminalização da cannabis, um impacto potencialmente duradouro de uma decisão positiva seria a diferenciação legal entre pessoas que possuem cannabis e consumidores e traficantes.

Como esta distinção não existe actualmente, fica à interpretação dos juízes e da polícia. Num país marcado por racismo estrutural, isso significou que a fiscalização da cannabis foi racista e classista, contribuindo para o aumento do encarceramento de pessoas negras e pobres, muitas vezes classificadas como traficantes.

 

Um pequeno passo para a legalização, mas um salto gigante para a abolição

A ideia dos juízes é estabelecer permissão para uma quantidade que pode ir até 100 gramas da substância, além de autorização para o cultivo caseiro de até 6 plantas de cannabis.

Especialistas, consumidores de cannabis e activistas da política de drogas criticaram o resultado potencial do ensaio. Isso porque a criminalização da planta permanecerá, ao lado da estigmatização de outras substâncias. A Lei Seca permanecerá como o sistema dominante de controle de drogas brasileiro.

No entanto, ainda há motivos para comemoração: um 2023 estudo indicou que se for estabelecido um limite de posse em 25 gramas, cerca de 27% dos actualmente condenados por tráfico desta substância poderão ter as suas penas revistas. Se o limite passar para 100g, então 48% das condenações por tráfico de cannabis seriam revistas. Nestes casos, a revisão criminal dependerá da solicitação individual de cada um dos presos.

Dada a possibilidade de reduzir a actual população prisional e de abrandar o encarceramento, que tem vindo a ser progressivamente aumentando desde 2006, a descriminalização será uma vitória tática do movimento antiproibicionista devido ao seu potencial de conscientizar sobre a necessidade de discutir a legalização das drogas no Brasil e o desencarceramento.

 

Disputas fora do tribunal

Com a possibilidade concreta de a descriminalização ocorrer através de uma iniciativa judicial, os líderes políticos conservadores estão a trabalhar para minar o impacto da decisão do Supremo Tribunal. No Senado brasileiro, um proposta visa alterar a constituição brasileira para criminalizar o porte de drogas. O projeto já foi apresentado e está prestes a ser votado na Comissão de Constituição e Justiça, antes de seguir para o Plenário do Senado.

A medida é apoiada por Rodrigo Pacheco, presidente do Congresso Nacional, que busca levar a proposta adiante. Pacheco, apesar de integrar a base de apoio do atual governo Lula, pretende com a proposta de criminalização do porte de drogas fazer um gesto aos senadores de direita que apoiaram sua candidatura à presidência do Senado.

Além disso, a proposta de Pacheco é uma forma de aumentar o poder do Congresso sobre questões controversas, como drogas e aborto. Em reação ao andamento do caso na Justiça, o senador estabelecido que “Somos nós que temos que criar a lei. A Suprema Corte não pode dizer que 20 gramas de maconha são ilegais ou legais. A lei não diz isso”.

Na Câmara dos Deputados, a expectativa é que o apoio ao projeto se repita, dada a predominância de políticos conservadores por lá.

A questão das drogas deverá também moldar as eleições municipais que terão lugar em Outubro deste ano. Vários candidatos com ideais antiproibicionistas tentarão convencer o eleitorado brasileiro da necessidade de políticas sobre drogas baseadas nas premissas da redução de danos, especialmente em cidades onde há cenas de uso de drogas, como 'Cracolândia', em São Paulo, o cenário econômico centro do país.

É uma táctica frequente dos candidatos mais conservadores fomentar o pânico moral em torno de questões relacionadas com as drogas para alcançar posições políticas; esta é uma tendência que deverá continuar ao longo deste ano.

Ao mesmo tempo, o movimento antiproibicionista brasileiro continuará a mobilizar apoio e sentimento público para acabar com a guerra às drogas. Em 2024, um número recorde de Weed Walks (Marcha da Maconha) deverão ocorrer em diversas cidades do país.

Weed Walks são protestos de rua organizados por diversos grupos no Brasil. Há mães de pacientes com maconha, ativistas psicodélicos, grupos de Redução de Danos, centenas de usuários e também alguns partidos políticos. Apesar do nome, estes protestos defendem o fim da guerra às drogas e a legalização de outras substâncias que não a cannabis.

No ano passado, os eventos foram realizados em mais de 50 cidades brasileiras. Em São Paulo, espera-se uma mobilização de 100,000 mil pessoas sob a bandeira da defesa da desobediência a leis injustas, sejam elas promulgadas pelo Poder Judiciário ou pelo Poder Legislativo brasileiro.

Há grande esperança para o cenário da cannabis no Brasil; no entanto, estas ações populares precisam de se traduzir em mudanças políticas para garantir um futuro mais seguro para aqueles que usam, cultivam e partilham a planta.

 

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